segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Como Michael Jackson fez Bad

A história de como o lendário álbum,
que acabou de completar 25 anos e será relançado em breve em um conjunto de três discos,
foi forjado pela reação Wacko Jacko contra o pop star.
 foto MJJ San Emerson
No auge de sua fama, Michael Jackson desapareceu...
Em 1984, ele parecia estar em toda parte: nos comerciais da Pepsi e da MTV, no Grammy e até na Casa Branca; nas revistas Rolling Stone e Time e nos em todos os Estados Unidos, com a turnê Victory. No ano seguinte, porém, com exceção de uma breve aparição com We Are The World, ele estava longe de ser visto. “O ano de 1985″, escreveu Gerri Hirshey para a Rolling Stone, “tem sido um buraco negro para os observadores de Michael, que testemunharam o desaparecimento de um astro espetacular desde que o cometa Halley foi para o lado mais distante do sistema solar em 1910″. Era um movimento estratégico de um artista que entendia o poder da antecipação e da mística. 1986 foi a mesma coisa. Jackson era tido como um recluso “escondido”, e fez poucas aparições públicas.
Na sua ausência, apareceu uma enxurrada de histórias fantásticas sobre santuários, câmaras hiperbáricas e ossos do Homem Elefante. A maioria delas era inofensiva (e realmente divertiam Jackson), mas havia um lado mais sombrio na reação da mídia. Jackson se tornara o afro-americano mais poderoso na história da indústria do entretenimento. Ele não  tinha somente construído um império com seus próprios álbuns, vídeos e performances de arrasar, como também havia ressuscitado a sorte da CBS/Epic Records, trazido vida à MTV e definido o nível das apresentações ao vivo. Inteligentemente, ele também mantinha total propriedade de suas gravações e, com a ajuda de seu advogado John Branca, adquiriu ativamente os diretos de publicações das canções da banda Sly and the Family Stone, de Ray Charles, e, claro, a jóia da coroa da música pop: o catálogo dos Beatles da ATV.
Não por acaso, foi este o exato momento em que a maré começou a mudar. De pesos pesados da indústria e da mídia, agora surgia suspeita, ressentimento e inveja. Ficou claro que Jackson não era apenas um ingênuo homem-criança (como era representado inúmeras vezes), ou um cantor e dançarino que sabia e aceitava o seu lugar como um artista estático e submisso.
Ele estava burlando algumas das figuras mais poderosas da indústria. Ele estava crescendo artística e financeiramente. E ele estava começando a aprender a manejar seu considerável poder e sua influência cultural para fins mais sociais e políticos.

“Ele não vai ser perdoado tão cedo por ter virado tanto o jogo”, escreveu James Baldwin, em 1985, “ele com certeza pegou o anel de bronze, e o homem que quebrou o banco em Monte Carlo não tem nada a mais que o Michael. Todo esse barulho é sobre a América, como a guardiã desonesta da vida e da riqueza dos negros; é sobre os negros, especialmente os homens negros nos Estados Unidos; é sobre a culpa americana, queimada e enterrada; e sobre os papéis sexuais e de pânico sexual; e sobre dinheiro, sucesso e desespero…”.
A reação, então, não era apenas sobre as percebidas excentricidades de Jackson. Era também sobre poder, dinheiro e formas mais sutis de dominação institucional e cultural. Nas décadas anteriores a Jackson, como James Brown colocou, os artistas negros estavam muitas vezes “no show, mas não no show business“.
Agora, Jackson era uma força financeira a ser contada. Seu status, no entanto, também o transformou num alvo enorme.

A partir de 1985, a mídia tornava-se cada vez mais cruel com o artista. “Eles desejam nosso sangue, não nossa dor“, Jackson escreveu numa nota, em 1987.
Os tablóides logo começaram a depreciá-lo com o apelido de Wacko Jacko (um termo desprezado por Jackson). Foi um termo aplicado pela primeira vez ao pop star em 1985, pelo tablóide britânico The Sun, mas sua etmologia vai mais longe.

Jacko Macacco era o nome de um famoso macaco usado nas rinhas de macacos na arena Westminster Pit, em Londres, no começo de 1820.

Posteriormente, o termo “Jacco” ou “Jacco Macacco” virou uma gíria londrina para se referir aos macacos em geral. O termo persistiu no século XX, quando os “Macacos Jacko”se tornaram brinquedos populares para as crianças da Grã-Bretanha na década de 50.
Eles permaneceram comuns nos lares britânicos até 1980 (e ainda podem ser encontrados no Ebay).

O termo “Jacko”, então, não surgiu do nada, e certamente não foi concebido como um termo carinhoso. Nos anos seguintes, ele seria usado pelos tablóides e pela mídia mundial como um desprezo que não deixava dúvidas sobre a sua intenção.
Mesmo para aqueles que não tinham conhecimento das raízes e da conotação racistadesse termo, obviamente, o usaram para humilhar e rebaixar seu alvo. Como na cena de Ralph Ellison no filme Homem Invisível, foi um processo com finalidade de reduzir Michael Jackson como ser humano e artista à Jacko, o espetáculo midiático para a diversão dos invejosos. (É importante notar que, embora o termo tenha sido usado amplamente pela mídia dos brancos, era raramente  usado – isso SE usado – por jornalistas negros).

Este foi o começo da corrente sinistra que girava em torno de Jackson e que teve um grande impacto na psique dele e na do público (especialmente nos Estados Unidos). A tensão entre controle e liberação ou vazamentos durante o álbum Bad e seus vídeos.
No curta de Leave Me Alone, por exemplo, Jackson transmite sutilmente a realidade carnavalesca de sua vida como artista. Inspirado em parte por As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, um Jackson gigante é – literalmente – preso numa atração de um parque de diversão enquanto cachorros em ternos corporativos estacam no chão para mantê-lo no lugar. Mais tarde no vídeo, ele canta em jornais, notas de dólar e dentro de reconstituições de histórias sensacionalistas. É um exame astucioso sobre aprisionamento, exploração e dupla consciência na era Pós-Moderna.

Parte do “desaparecimento” de Jackson, então, também teve a ver com as realidades de sua vida. Ele não conseguia mais andar livremente em qualquer parte do mundo sem ser assediado, escrutinado e dissecado.



Seu retraimento era seu ofício. De 1985 a 1987, longe dos olhos do público, ele estava escrevendo e gravando fertilmente.
As sessões de Bad acabariam por gerar mais de 60 músicas em vários estados de conclusão. Em determinado momento, Michael considerou lançá-lo como um álbum triplo.

Jackson chamava seu estúdio caseiro em Hayvenhurst de “O Laboratório”. Este foi o lugar onde a magia era criada com um pequeno grupo de músicos e engenheiros, incluindo Matt Forger, John Barnes, Chris Currel e Bill Bottrel (muitas vezes referido como o “Time-B”). Hoje em dia, conta-se que Jackson escreveu no espelho de seu branheiro “100 milhões” – o número de cópias que esperava que Bad vendesse. O valor é mais do que o dobro do que Thriller havia vendido naquela época. Era esse o tamanho da ambição de Jackson.
No entanto, não era apenas o sucesso comercial que ele estava procurando. Jackson queria inovar. Ele contou aos colaboradores que queria criar sons que os ouvidos nunca haviam escutado antes. Novos sintetizadores animadores estavam entrando no ramo, naquele momento, incluindo o Fairlight CMI e o Synclavier PSMT.
“Eles realmente abriram outra esfera da criatividade”, lembra o engenheiro de gravação Matt Forger. “O Fairlight tinha essa caneta de luz que podia desenhar uma forma de onda na tela e te permitia modificar a forma dela. O Synclavier era apenas uma extensão disso.
Muitas vezes, nós terminávamos a combinação de dois elementos de sintetizador em conjunto para criar um personagem único. Você poderia fazer isso com o Synclavier, mas também tinha a habilidade num incremento muito fino para ajustar a batida de cada som. E, fazendo isso, dava pra realmente ajustar o som.
Nós estávamos criando um monte de caracteres novos e, então, criávamos uma combinação de sons mixados com síntese FM”.

Jackson estava fascinado com essas novas tecnologias e procurava constantemente novos sons. A abertura de Dirty Diana, por exemplo, foi criada por Denny Jaeger, um especialista em Synclavier e designer da Bay Area. Quando ouviu falar de Jaeger e sua biblioteca de novos sons e paisagens sonoras, Jackson estendeu a mão e o recrutou para Bad. Os sons de Jaeger, por fim, apareceram em Dirty Diana Smooth Criminal. “Michael estava sempre em busca de algo novo”, diz Forger. “Quanta coisa podemos inventar sozinhos, pesquisando ou encontrando? Havia muito disso acontecendo. Era isso que ‘O Laboratório’ significava”.



O que torna Bad tão intemporal, no entanto, é a maneira como Jackson foi capaz de complementar essa inovação tecnológica com qualidades mais orgânicas, mais comoventes. Em The Way You Make Me Feel, por exemplo, o implacável movimento da batida é justaposto com todos os tipos de qualidades naturais e improvisadas que dão à canção o seu encanto: o vocal ad libs, o estalar de dedos, as harmonias blues, os grunhidos de percussão e suspiros, as exclamações.

O engenheiro de gravação e Bruce Swedien fala sobre como deixou todos os hábitos vocais de Jackson como parte do “quadro geral do som”. Ele não queria fazer uma música “anti-sépticamente limpa” porque perderia seu efeito visceral.

De muitas maneiras, Bad foi o amadurecimento de Jackson como artista. Quincy Jones o desafiou no início a escrever todo o material e Jackson respondeu, escrevendo 9 das 11 faixas do álbum e dezenas de outras que foram deixadas fora. “Estude os grandes”, ele escreveu numa anotação, “E torne-se o melhor”. Ele falava sobre a “anatomia” da música, falava sobre dissecar suas partes. Ele também estava lendo um grande negócio, incluindo a obra de Joseph Campbell. Ele queria entender o que o simbolismo, os mitos e os temas ressoam ao longo dos tempos e por quê.
Naquela época, ele levou demos para o Westlake Studio para trabalhar com Quincy Jones e Bruce Swedien (o “Time A”), onde a maioria dos elementos-chave das canções tomaram lugar. Agora, era uma questão de detalhes: pinceladas de cores, polimento, aumentos e, para desgosto de Michael, enxugamento. Russ Ragsdale, o engenheiro-assistente, estima que mais de 800 fitas foram criadas para Bad, um número extraordinário.Pilhas de sintetizadores enchiam a sala de monitoramento, onde Jackson muitas vezes trabalhava com o programador de sintetizadores John Barnes. Vocais foram gravados até que Jackson se sentisse satisfeito. Michael, Quincy Jones e Bruce Swedien continuavam ajustando e debatendo as decisões até o último minuto antes do fim do prazo.
Da mesma forma, muita atenção foi dada para os curta-metragens. Em seus comentários após o vídeo de Bad, Jackson indicou não estar ainda completamente satisfeito com a coreografia. Os movimentos tiveram de ser internalizados para que não houvesse qualquer porém. Ele teve que se dissolver nos passos e na música até que se tornasse puro sentimento.
Muitas pessoas ainda não se dão conta da entrada de Jackson em cada detalhe de seu trabalho, de coreografias até a iluminação de trajes para a história. Enquanto ensaiava para o curta de Smooth Criminal, Michael explicou eloquentemente ao diretor Colin Chivers e ao coreógrafo Vincent Paterson a tensão e a libertação que ele esperava alcançar.
“É por isso que nós construímos isso numa montanha e o trazemos para baixo”, ele instruía. “Então, no topo [efeitos de som feitos com a boca] com as cordas altas.
Algo que apenas monte a emoção que nós não colocamos nisso [efeitos de som feitos com a boca]. Apenas uma buzina ou alguma coisa assim, você sabe… Pra montar o sentimento da música… Eu quero que a música represente o modo como nos sentimos… Tem que ditar a nossa emoção, o nosso humor.
Estamos expressando a forma como todos se sentem. É uma rebelião.
Vocês estão me entendendo? Estamos lançando o que sempre quisemos dizer pro mundo.Paixão, e raiva, e fogo!”.

25 anos depois, os resultados falam por si. Vídeos como Bad e Smooth Criminal estão entre os melhores que o meio tem a oferecer. Canções como Man in the MirrorThe Way You Make Me FeelDirty Diana e Another Part of Me permanecem como clássicos no vasto catálogo de Jackson. Ouvir o álbum remasterizado, incluindo os 3 CDs Bad 25 que serão lançados em 18 de setembro, é um lembrete de sua personalidade e seu prazer singular. Ouça as linhas de propulsão do baixo, as camadas de ritmo, a experimentação vocal, as narrativas cinematográficas, as exclamações de assinatura e o vocabulário inventado, a vitalidade e a alegria pura. Este é o pop em seu ponto mais dinâmico, e está, juntamente com o melhor trabalho de Prince, como um dos melhores álbuns da década de 80.
Bad é um retrato do artista no auge de sua forma – ousado, criativo e confiante. Tanto agora como naquela época, “o mundo inteiro tem que responder”.
Tradução  Lais Alves  do Blog MJ Fotos e Fatos  
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