“I WANNA BE WHERE YOU ARE”
“EU QUERO ESTAR ONDE VOCÊ ESTIVER”
Na manhã seguinte, Mesereau falou aos jurados que provaria a eles, por meio de testemunhos de empregados e visitantes de Neverland, que as crianças Arvizo ficavam fora de controle quando estavam no rancho de Michael. O advogado queria deixar claro que a alegação de consumo de álcool não estava sozinha. Ele queria fazer com que o júri compreendesse a natureza das acusações: o promotor Tom Sneddon estava sustentando a ideia de que Michael Jackson tinha dado álcool aos garotos sendo estes menores de idade, especialmente com a finalidade de molestar Gavin, uma jovem vítima do câncer.
“As alegações de abuso estão diretamente ligadas às acusações de álcool”, explicava Mesereau, “Uma não existia sem a outra. E o Sr. Jackson as nega absolutamente”.
Mesereau detalhou o comportamento dos garotos Arvizo em Neverland, dizendo aos jurados que eles invadiam a adega e foram pegos bebendo vinho sozinhos, explicando que Michael não estava presente nesta ocasião e não sabia de nada. O advogado também falou que os meninos foram apanhados invadindo a geladeira, bebendo álcool na cozinha e roubando vinho de um armário de bebidas.
Tom Mesereau continuou a descrever o comportamento das crianças. À princípio eles pareciam bem comportados, no entanto, com o passar do tempo, os garotos mudaram radicalmente. Mesereau deu exemplos disso falando sobre as áreas de diversão de Neverland e como um empregado que tomava conta destas ficou “chocado e horrorizado” ao descobrir que os Arvizo haviam memorizado os códigos dos brinquedos, subido no topo da roda gigante e jogado coisas nas pessoas e nos elefantes.
“Nós provamos que eles também fizeram o mesmo com várias outras senhas da casa. Eles (os garotos Arvizo) encontraram de alguma forma um modo de vagar à vontade pelo rancho, até mesmo quando o Sr. Jackson não estava na cidade”, disse Mesereau, “Eles foram pegos em seus quartos. Testemunhas falaram que eles ficavam descontrolados”.
Quando o advogado de defesa fez referência a “revistas sensuais” encontradas na casa de Jackson, admitiu livremente que o cantor lia de vez em quando as edições da Playboy e da Hustler e que pedia à um de seus empregados pessoais para comprar uma em algum estabelecimento comercial, porém, negou absolutamente mostrá-las às crianças. Na realidade, Mesereau disse que as revistas que Sneddon mencionara na sua declaração de abertura estavam de fato escondidas atrás de um armário.
“O Sr. Jackson contou que pegou as crianças com essas revistas e tomou a pasta deles”, insistiu Mesereau.
O advogado enfatizava o quanto Michael era querido por ter recusado ganhar dinheiro por sua participação em Living With Michael Jackson. As negociações entre Jackson e Bashir especificavam que qualquer lucro com o projeto entraria como caridade para a Inglaterra. Na realidade, Jackson e Bashir tinham falado que aproximadamente 250.000 libras iriam para a caridade.
Esta caridosa doação, de acordo com os advogados de Jackson, era a razão de o cantor ter concordado em fazer o documentário. Para tirar a imagem de que, no passado, o Rei do Pop fizera “declarações” se engrandecendo ou ficando no comodismo. Isso certamente não seria parte do caso com Bashir. Michael se empenhou em abrir as portas de sua casa para o jornalista, se baseando totalmente na ideia de produzir um filme que ajudaria crianças de todo o mundo – o que Bashir também prometeu. Mesereau mostra que Jackson acreditava tão sinceramente em Martin Bashir que não via necessidade nenhuma em negociar com o desconhecido jornalista britânico. Michael estava muito confiante. Ele não sentia necessidade alguma de intermediários que o ajudassem em encontros ou para cumprir horários ou preços.
“Michael acreditava que o Sr. Bashir o apresentaria sob uma luz de honra e honestidade”, Mesereau acrescentou, “O que não aconteceu”.
“Nós provaremos a vocês que Jackson, por causa de sua presença na indústria mundial de música, continua atraindo pessoas que visam lucros”, o advogado disse ao júri, “Nós provaremos a vocês que isso cria um problema em sua vida e aqui está este problema: o Sr. Jackson é um artista. Ele é chamado de gênio musical. Ele é uma pessoa altamente criativa que dança batidas de diferentes bateristas”.
“O Sr. Bashir ficou surpreso quando Michael o disse: „Eu tenho uma árvore em minha propriedade e, há muito tempo, subo nela sozinho, sento e fico lá, imóvel e medito. É muito frequente. Deus me dá lampejos de criatividade que eu preciso para trabalhar e me superar”.
“Vamos provar a vocês…”, Mesereau continuou a dizer, “Que o Sr. Jackson, muitas vezes, acorda às 3 da manhã em Neverland. Ele sai de sua casa, sozinho, e vai andar sob as estrelas, sob a lua, sob o céu. Ele medita da sua própria maneira, esperando que as ideias e as inspirações cheguem”.
O primeiro dia de testemunhos começara. Michael, como um general militar, vestia um terno com uma braçadeira dourada sobre um colete vermelho com detalhes também dourados, manteve-se em silêncio atrás da mesa da defesa. Michael permaneceu o tempo todo em silêncio. De alguma forma, ele comandou algumas pessoas com esse silêncio. Sua mãe, Katherine, e seu irmão, Jackie, eram os únicos membros da família que o acompanharam naquela manhã, e, quando Michael chegou à mesa da defesa, Katherine se aproximou e puxou um fio solto do terno do filho. A Sra. Jackson era a essência da graça sob toda aquela pressão.
Como fazia diariamente, Michael sorriu para os jurados enquanto guardava seus óculos de armação de arame que o faziam parecer mais sério e maduro. Pouco antes de a sessão começar, a sala do tribunal estava aos sussurros. A mídia, que adorava tagarelar coisas obscuras enquanto procurava novas razões para atormentar o Rei do Pop, mostrava um Michael excessivamente maquiado. As pessoas da imprensa falavam dele como se fosse um palhaço, perto, em volta ou longe de Michael, até mesmo dentro da Corte, onde as coisas eram reais e sérias; mas as ações de Jackson não davam razão alguma para que os repórteres dissessem que ele era um maluco ou que representava toda a negatividade que as pessoas esperavam dele.
Comentavam sobre o seu tom de pele, desejavam saber sobre o vitiligo de Michael e as condições que resultaram na perda da pigmentação de sua pele. Mas alguns estavam certos de que Jackson escolhera mudar de cor. Algumas pessoas pareciam irritadas com o fato de o cantor nunca ter admitido aquilo, e achavam certo julgá-los por isso.
Só que o próprio Michael pensava já ter explicado a condição de sua pele, numa entrevista de TV, comentando a dor que sentiu por ver sua pele totalmente manchada. Porém, as pessoas se recusavam a aceitar a versão de Jackson sobre a doença. Ao invés de enxergarem um ser que transcendeu as raças, muitos americanos pareciam perplexos em relação à cor de Michael e acreditavam que o pop star tinha clareado sua pele por sua própria vontade.
Gary Coleman, um antigo ator de TV que estava do lado de fora da Corte, comentou o caso para um programa de comédia, começando a fazer piadinhas maliciosas sobre Michael. Precocemente, Coleman observou que Michael Jackson tinha, sim, encontrado um júri semelhante à ele: “Ele não é negro desde 1988!”, zombava o ator.
Quando a acusação lançou seu caso principal, a primeira testemunha a ser chamada à bancada foi Martin Bashir. Um jornalista de TV da Inglaterra, que trabalhava para a rede BBC e já estava no ramo há alguns anos. Disse ao júri que, antes de começar no documentário de Jackson, fez um filme sobre “Amantes Satânicos” e havia produzido outro filme de 1 hora de duração sobre um serial killer. Essas foram as tentativas de Bashir para chegar a fama antes de 1995, ano em que ele agarrou uma oportunidade de fazer uma entrevista com a Princesa Diana. Bashir havia produzido um documentário de mais de 1 hora sobre a Princesa que foi ao ar pela ITV, maior rede comercial da Inglaterra.
Quando Bashir entrou na sala do tribunal, Katherine se levantou e saiu do local. Ela não podia ficar no mesmo ambiente com um homem que a enganou tão descaradamente. Embora Katherine tenha voltado para ver parte do documentário sendo exibida, era evidente que a Sra. Jackson estava enojada com todo o conteúdo mostrado pelo jornalista britânico e enfurecida por outra “armadilha da mídia” que ela e seu filho caíram.
Bashir disse ao júri que seu documentário, Living With Michael Jackson, produzido pela Granada Productions, tinha ido ao ar no início de fevereiro de 2003. E o documentário não foi apresentado como evidência do caso, o juiz advertiu o júri que o DVD não estava sendo oferecido como a verdade. Melville explicou que o que se teria dentro do DVD se passaria como indicativo da verdade, aconselhando aos jurados que considerassem o documentário apenas como um boato.
Então, o documentário começou a ser exibido na grande tela da sala do tribunal, o júri e os demais espectadores da Corte foram transportados para um mundo onde viam um “Michael-maior-que-a-vida”. Eles arregalaram os olhos ao observarem Jackson em seu luxuoso espaço, chamado por ele próprio de Neverland. Os observadores estavam sendo cativados pelo Rei do Pop. Todos os presentes naquela sala pulavam, enquanto escutavam as músicas que Bashir usara como plano de fundo. Com as músicas de Michael, a sala do tribunal se encheu, fazendo com que as pessoas se remexessem em suas cadeiras. Alguns dos jurados batiam palmas com as batidas das músicas. E Jackson foi incapaz de ficar parado ao som de suas próprias melodias.
Era como assistir a um filme completo, vendo a peça de Bashir. E, à primeira vista, parecia quase divertido.
O júri assistiu a Michael comentando à Bashir o quanto amava passear em seu parque de diversões. Eles notaram certa intimidade nas entrevistas, uma intimidade de Michael Jackson que nunca ninguém havia visto antes. Michael estava revelando a sua alma, estava sendo sincero ao dizer porquê gostava tanto de brincar e andar com crianças. Com as imagens dele e Bashir caminhando aos redores do espetacular parque de diversões, Michael falava que acha a roda-gigante um brinquedo relaxante e contou a Bashir que faz, com frequência, passeios noturnos pelo rancho.
No tribunal, o jornalista, que baixou a cabeça ao se sentar na cadeira das testemunhas, parecia relutante em encarar Michael Jackson. Durante a exibição do documentário, para fins práticos, foi permitido a Martin Bashir que se sentasse no meio da multidão do tribunal, e ele parecia zombar do resto da mídia. E nada mais. Bashir parecia exalar um tom de superioridade.
Havia algo a se presumir sobre ele.
A Bashir era astuto e se orgulhava de si próprio.
Com o início da exibição do DVD na sala do tribunal, estava clara a posição do britânico Sr. Bashir, com sua doce voz que escondia suas astuciosas intenções havia fascinado Michael Jackson. Todos assistiram como o jornalista seduzira o pop star. Bashir tinha sido tão cortês, se mostrando tão encantado com o grande talento de Jackson. Para o jornalista, aquilo parecia mais fácil do que tirar doce de criança. Com cada elogio e promessa, ele conseguira obter muitas revelações que o Rei do Pop jamais falara antes. De alguma forma, Bashir havia conseguido a total confiança de Michael – tanto que Jackson não proibira nada previamente.
No fim, Bashir usou Michael para um grande golpe de mídia.
Com a exibição do documentário, os jurados, surpresos, viam as imagens de Neverland. Eles observaram um Michael feliz ao levar Bashir a um passeio pelos 27 mil acres da propriedade, que era conhecida por Neverland. Jackson agia como uma criança, tinha a voz cheia de excitação, contente por passar um tempo brincando em carros de kart e Bashir fez seu jogo, fingindo estar feliz da vida enquanto andava pelo rancho também como uma criança.
Bashir disputou com Jackson, correndo ao longo da pista de kart do rancho… Tudo como uma boa brincadeira – ou assim parecia. E, de repente, Bashir cortou o carro de Michael e o júri ouviu Jackson falar: “Ele trapaceia! Ei, ele está trapaceando!”.
Quão verdadeiras essas palavras soariam!
Bashir queria estar em todos os lugares em que Michael estava e esse acesso a toda vida particular do cantor lhe foi concedido. Mas, como se mostrou, o jornalista fez desse acesso um escárnio para Michael. Ele tratara o pop star com benevolência, mas, vendendo seu documentário à rede americana ABC, Bashir se lançaria numa nova e significativa carreira. Por causa de Living With Michael Jackson, Martin Bashir se tornara um correspondente de horário nobre dos noticiários da ABC, virara um colega de Barbara Walters.
Com o DVD passando continuamente para os jurados, Bashir era parte do centro das atenções; ele tinha um olhar estranho enquanto estava sentado entre as pessoas na sala do tribunal, vendo como seu próprio trabalho seria julgado. O que os jurados iriam notar ao estudarem o documentário de Bashir, vendo o quanto ele reverenciava o pop star, era a isca que o jornalista jogava em cada oportunidade que aparecia. Bashir era um absoluto traidor. Não demorou muito para que os jurados notassem a diferença no tom de sua voz, que ia do doce ao ameaçador.
Enquanto o jornalista brincava e sorria para Jackson, sua voz começava a sugerir em seus comentários que havia algo de errado na vida do cantor, com a obsessão de Michael com seu rosto, com seu relacionamento com crianças. “Como você compõe uma canção?”, perguntava Bashir, “Ensine-me!”, ele pedia para que Jackson o mostrasse como dançava e cantava.
Michael parecia tímido, dizia estar “envergonhado” e não queria se levantar e dançar em frente às câmeras, porém, persuadido por Bashir – que fingira uma curiosidade de aluno -, Jackson concordou em fazer o moonwalk.
Com Michael deslizando sobre a lisa madeira, Martin Bashir fizera uma fraquíssima tentativa de imitá-lo; ele estava jogando sujo, estava jogando com as palavras. Ansiava por tentar deixar o artista confortável e satisfeito. Ficou claro para todos que assistiam ao DVD que Michael gostava de atenção, que gostava de ser tratado como uma pessoa especial. Bashir parecia saber trabalhar com as fraquezas de Jackson e o jornalista o elogiava aos altos dos céus. “Deslize com o calcanhar, não com a ponta dos pés”, dizia Jackson. Era óbvio que Bashir não conseguiria dançar nada. O jornalista olhava para a dança de Michael por mero interesse, suas câmeras percorriam todo o estúdio do cantor e focaram uma pintura que estava pendurada no alto da parede, em qual Michael aparecia numa figura angelical cercada de querubins de todas as raças e religiões. O foco da gravação era Michael falando como escrevia suas canções, como suas músicas “vinham lá de cima” e Bashir estava tentando fazer com que aquilo parecesse um ego obsessivo do cantor.
Quando os jurados começaram a ver a dimensão da casa de Jackson, enfeitada em toda a parte por castelos, quartos de brinquedos infantis e manequins de tamanho real, alguns pareciam atordoados ao ver a sensibilidade infantil que obscurecia o luxo da casa decorada por Michael, no entanto, eles dançaram ao som do Jackson 5 no começo do documentário. Jackson também se mexia na cadeira quando algumas de suas canções eram tocadas.
Michael falou sobre Neverland: “Eu sou Peter Pan em meu coração”. Explicou que se identificava com o personagem de J.M. Barrie porque ele representava toda a magia e encantamento das crianças. Jackson também dera uma honra à Bashir, mostrando ao jornalista a sua “árvore da sorte”, onde ele costumava escalar e ficar por lá sozinho escrevendo suas músicas. Michael listou várias canções que escrevera naquela árvore, dentre elas Black Or White e Heal The World.
“Venha! Você não quer vir?”, perguntava Jackson a Bashir, “Esse era um grande segredo meu, eu nunca tinha mostrado a minha Árvore da Sorte a ninguém. Você não quer subir?”.
Mas Martin Bashir não queria subir em árvores. Ele parecia que tinha outras coisas com que ele planejava escalar: escadas corporativas e estradas para a fama. Para Bashir, esta sim era uma árvore de dinheiro: oferecer uma visão de Michael Jackson nunca vista antes.
“Você não sobe em árvores?”, perguntava Michael, confuso.
“Não, eu não subo”, respondia Bashir.
“Você ta perdendo!”, dizia-lhe Michael depois de entregar o guarda-chuva a Bashir e escalar a árvore.
Bashir queria saber por que subir em árvores era um dos passatempos favoritos de Michael. Ele desejava saber se Jackson não preferia fazer amor ou um show. Michael pareceu confuso com Bashir questionando seus momentos de alegria e disse ao jornalista nada pode se comparar a um show, mas que subir em árvores e fazer guerra de balões d‟água eram, sim, seus passatempos preferidos.
Martin Bashir não ficara no assunto de passatempos por muito tempo. Ele queria vencer o gênio de Michael, ultrapassar o enfoque de seu dom musical. Bashir queria adentrar em seu mundo privado, e não desperdiçou tempo. Chegou logo a um assunto que faria Michael chorar.
A multidão da sala do tribunal permaneceu em silêncio enquanto Jackson falava sobre a perda da sua infância no documentário. Foi-lhe perguntado como eram as formas de disciplina de seu pai para Michael e seus irmãos. O cantor respondera que eles eram jogados e chacoalhados. De acordo com Michael, se eles não estivessem dentro do padrão estipulado por Joe, ele e os irmãos levavam intensas surras. Para a família Jackson, o momento da exibição de Living With Michael Jackson fora um dos mais dolorosos. Como o documentário tinha sido muito pessoal, Michael ficou visivelmente transtornado atrás da mesa da defesa, e Jackie e Katherine também pareciam abalados. Michael confidenciou a Bashir que Joe tratava os filhos de forma muito rígida, que os batia com o cinto, fios de ferro ou o que estivesse mais perto.
“Eu me lembro de ouvir minha mãe gritando: „Joe, para, você vai matá-lo! Você vai matá-lo‟”, admitiu Michael, “Na maioria das vezes, ele não conseguia me pegar, mas quando conseguia… Oh, era ruim! Ele nos assustava, assustava mesmo, acho que ele não percebe até hoje o quanto nos assustava”.
Michael ainda confidenciou que tinha tanto medo do pai que às vezes chegava até a desmaiar e um de seus seguranças tinha que segurá-lo. Jackson mencionou que nunca levantaria um dedo para seus filhos. Estava claro que as lembranças de 30 anos atrás estavam muito vivas para ele.
“Ele não deixava que os chamássemos de „papai‟. Ele dizia: „eu sou Joseph para você. Não sou papai‟. Eu faço o oposto. Não deixo os meus filhos me chamarem de Michael, eles me chamam de „papai‟”.
Os observadores da sala do tribunal viram Bashir seguindo Michael pelo mundo, se juntando ao cantor para uma farra de compras em Las Vegas, indo para o hotel onde prodigamente voltaria a tocar em assuntos bem íntimos. Michael pareceu muito tímido ao falar de Tatum O‟Neal, admitiu que antigamente não conseguiria “fazer isso” com a atriz. Ele se desculpou por revelar aquele fato, disse a Bashir que, quando jovem, era muito tímido para conseguir tirar a roupa.
Depois, quando chegaram a um centro comercial de Las Vegas para uma extravagante sessão de compras, Bashir quis saber se Michael gostava de comprar joias. “Eu compro joias para a minha mãe, para Liz Taylor e para alguma garota que eu estiver gostando no momento”, disse Jackson. “Você tem alguma agora?”, perguntou Bashir. “Não”, Michael o respondeu.
No shopping, Michael mal podia esperar para chegar ao andar superior da sua loja favorita. Ele queria mostrar a Bashir todas as belas obras de arte, ornamentos e mobílias que havia comprado recentemente. Jackson apontava para diversas urnas gigantes, e, então, Bashir focalizou num par de peças feitas de mármore que custavam U$ 250.000 cada uma. Com Michael andando pela loja, o jornalista mostrou que 80% das peças da loja havia sido comprada por Jackson. Bashir questionou o volume de gastos de Jackson, como uma criança jogando, marcando pontos com o gerente do local, “Mas ele vai pechinchar pra gente. Celebridades também gostam de pechinchar.”.
Com a evolução do documentário, parecia óbvio que Michael havia pechinchado com Martin Bashir também, estava se revelando um completo enganado. Bashir estava ganhando toda a liberdade – o que fez com que Michael se abrisse, falando sobre as tristes piadas feitas sobre seu rosto cheio de espinhas na adolescência. Ao retornar, Michael havia se tornado um veículo de Bashir, uma vítima inconsciente do castelo de cartas do jornalista que iria desmoronar à sua volta.
“Você tenta dar aos seus filhos uma vida normal?”, Bashir queria saber.
“Sim”, respondeu Michael.
“Eles vão à escola?”
“Sim”, Jackson disse, “Eles têm aulas em casa. Mas não poderiam ir a uma escola normal. Ciúmes. Os professores os tratariam de forma diferente”.
“Você acha que eles podem ter uma vida normal?”, novamente Bashir perguntou.
“Não”.
Martin Bashir persuadiu Michael a falar sobre a mãe de seus filhos, queria saber se as crianças sentiam falta dela, queria saber se a mãe estava presente em suas vidas. Jackson respondera que tinha um “acordo contratual” que não o permitia falar sobre a mãe biológica de Prince Michael II, mas garantiu a Bashir que as crianças eram alegres e estavam sendo bem cuidadas.
“Há mulheres em toda parte da minha casa”, disse Michael, “Eles estão cercados de mulheres todos os dias”.
Quis o destino que Bashir se juntasse a Jackson em Berlim a tempo para o polêmico episódio envolvendo Michael e seu caçula, Prince Michael II, que ficara conhecido como o incidente do “bebê pendurado”. Bashir reencontrou Michael pouco tempo após a cena ocorrer, portanto, teve acesso ao mais recente escândalo do cantor, o qual o próprio Michael não via como um escândalo total. Com as câmeras do jornalista filmando tudo, os fãs de Michael ainda apareciam do lado de fora do hotel, gritando para ele retornar à varanda, e o pop star queria agradá-los.
Jackson jogou-lhes um travesseiro, o qual tinha autografado com carinho. À frente do hotel, fãs jogavam beijos e gritavam, querendo ver o ídolo mais um pouco. Alguns tinham cartazes em que se lia “Foda-se a imprensa. Michael é o melhor”. Quando Bashir o perguntou o que significava a mídia, Jackson o respondeu: “Olha o que eles fizeram com a Lady Diana. Eles são doentes. Ela foi cercada por essa gente. Odeio tablóides, são ignorantes! Deveriam queimar todos eles.”. Bashir mencionou que uma tempestade havia se formado a cerca de seu filho mais novo, Prince Michael II, a quem Michael chamava de Blanket. Martin Bashir queria explicar a Jackson que pendurar um bebê pela janela só faria com que a mídia o atacasse ainda mais. Ele esperava deixar o pop star agitado.
“Estávamos acenando para milhares de fãs lá embaixo”, Michael disse, “Eu não estava tentando matar o meu filho! Por que eu jogaria o bebê da sacada? Eu estava o segurando firme, por que eu iria querer machucá-lo? Isso é ignorância. Eles queriam ver o bebê e eu mostrei a eles”. Pela perspectiva do cantor, ele não tinha feito nada de errado. E para muitos que assistiam o documentário na sala da Corte, ver as coisas do ponto de vista de Michael, vê-lo alimentar o bebê – que claramente não gostava das câmeras de Bashir – com uma mamadeira enquanto tentava acalmá-lo em seus joelhos, parecia uma cena bem inocente. Na realidade, Michael não parecia tão maluco.
Estava claro que a cena da varanda em Berlim acontecera porque Michael queria agradar seus fãs. Do lado de fora do hotel, estavam milhares de pessoas em frenesi, implorando a Jackson que lhes mostrasse seu mais novo filho. Então, Michael correu para a varanda e rapidamente levantou o bebê para que os fãs pudessem contemplá-lo.
Para os fãs de Jackson presentes na sala do tribunal, era perturbador sentar e assistir ao inocente gesto do ídolo julgado de forma errônea pela mídia americana. A imprensa mostrava Jackson em imagens que o faziam ser visto como um maluco, sempre com boatos e comentários maldosos sobre ser tirada a guarda das crianças do cantor. A mídia não podia se fartar de Michael e seu querido bebê. Eles comentavam sobre sua irresponsabilidade como pai.
Não se admira o fato de Jackson odiar a imprensa.
Foi um tanto irônico ele admitir isso a Bashir.
Com o documentário continuando a passar, a atenção voltou-se em direção ao antagonista de Michael, e alguns espectadores do tribunal acreditavam que Bashir humilhara Jackson em todas as oportunidades que tivera. Quando o cantor foi ao zoológico com seus filhos, Bashir o mostrou como uma pessoa irracional que quer ser acompanhado por suas crianças em público, onde ficariam às vistas dos paparazzis e toda aquela multidão de fãs. Bashir estava sugerindo deveria manter Paris e Prince totalmente longe das câmeras, para que nunca fossem objetos de frenesi. Ainda salientou que Prince quase foi pisoteado pelos paparazzis. Michael disse que não confiava em ninguém para sair com seus filhos, que estava os super-protegendo porque os amava demais.
Próximo ao término das filmagens, quando Bashir voltou a atenção à Neverland, todos viram Michael passar um divertido dia com crianças carentes. Elas pareciam felizes passeando pelo rancho num enorme trem, Jackson agia como uma criança, pedindo raspadinha de gelo. Bastava observar as crianças para observar o brilho nos olhos.
Então, saindo daquele enfoque, Bashir tocou no assunto dos “milhões” que Jackson pagara à família do garoto que o acusara de molestação há quase 10 anos atrás. A voz do jornalista soara sinistra pela sala do tribunal neste momento, e o documentário ainda mostrou cenas que envolviam Michael e as crianças Arvizo – Gavin, Star e Davellin -, o que mudou completamente o clima da sala.
Mostrava-se a imagem de Michael e Gavin – na época com 12 anos de idade – com parte da cabeça encostada ao ombro de Jackson, os dois de mãos dadas. Michael falava que Gavin tinha crescido e havia se curado do câncer, salientando que os médicos disseram que o menino não iria sobreviver. O cantor parecia feliz por ver Gavin tão saudável e feliz, e ainda insistiu que sua inspiração vinha das crianças, dizendo a Bashir: “Eu vejo Deus nos rostos delas”.
Mais tarde, esse comentário viraria combustível para sátiras e condenações da mídia, que as usava sem dó nem piedade para piadinhas de mau gosto. Mas, no tribunal, as filmagens não pareciam nada engraçadas, e Tom Sneddon queria que o júri se focasse nos comentários que Michael fizera sobre Gavin e seu irmão terem dormido na mesma cama que ele. No documentário, Jackson disse que dormir com crianças não era nada sexual. Ele insistia que o fato de compartilhar sua cama era algo amável de se fazer. Ainda explicou que tinha recebido os garotos Arvizo, juntamente com seu amigo Frank Cascio, por noites, mas esclareceu que ele e Cascio realmente dormiram no chão para que os irmãos pudessem dormir na cama.
Quando a cena passou na tela do tribunal, parecia tinha ocorrido em câmera lenta e muitas cabeças se mexiam de um lado para o outro, se perguntando por que o pop star escolhera compartilhar seu quarto com meninos.
Observando os jurados, parecia ter surgido uma tremenda desaprovação sobre o estranho comportamento de Michael Joe Jackson. E, com Tom Sneddon botando lenha na fogueira desse assunto, ninguém conseguia entender por que Michael recebia crianças em seu quarto. O promotor parecia muito, muito orgulhoso de si mesmo, especialmente quando o júri pareceu ter caído em sua isca.