quinta-feira, 5 de abril de 2012

Michael e Nós



Michael tem a habilidade de projetar qualquer imagem sua que desejar. Em compensação, a sociedade pode transformar Michael em qualquer coisa: de vilão a conquistador, de humano universal a um completo alienígena.

De seus graciosos passos de dança à sua brilhante luva branca solitária, cada faceta de Jackson nos maravilhou. Sua influência se estendeu a toda a sociedade. Esta e Michael Jackson se entrelaçaram e um tipo de mídia desalentadora emergiu. Michael faria alguma coisa, nós reagiríamos, então ele reagiria à nossa reação e a cadeia continuaria. Eventualmente, a cadeia estendia-se quanto mais e mais elos da relação Jackson/sociedade surgiam. Como puderam simples excentricidades, tais como usar a luva branca, transformarem-se em extravagantes cirurgias plásticas e mudança de cor? 

Por que o garoto Disney que Jackson representava no início da década de 80, transformou-se numa criatura andrógina, pálida e quase inumana? Michael Jackson sozinho causou todas essas mudanças, ou nós, como uma sociedade, fomos seus colaboradores?

A pessoa de Michael Jackson exemplifica as problemáticas mudanças que um ícone tem que encarar na cultura pop contemporânea. Uma intensa fascinação pela música e o entretenimento de Michael Jackson, naturalmente despertou mais curiosidade, deixando o público faminto por conhecer o ser humano por trás das performances de super-homem. Nossa busca para entender o homem escondido na imagem de mito, originou um romance entre Michael Jackson e nós.

Esse galanteio entre um ícone pop e o público internacional envolveu-se numa relação virtualmente incomparável, em que Michael Jackson, de maneira duplamente exemplar e sinistra, retrata uma variedade de imagens e representa um excesso de personagens em nossa cultura.

Jackson é uma personificação do espetáculo. Apesar de sua espantosa fama, ele mesmo permaneceu sem sexo, sem idade e sem raça, consequentemente, necessitando dos principais aspectos que associamos a uma identidade individual. A sociedade e Michael Jackson aprenderam a manipular um ao outro. Michael tem a habilidade de projetar qualquer imagem sua que desejar. Em compensação, a sociedade pode transformar Michael em qualquer coisa: de vilão a conquistador, de humano universal a um completo alienígena.

Como uma sociedade em busca de definições, nós preenchemos os vazios deixados por ele em sua identidade com respostas criadas por nós mesmos. Essa relação entre Michael Jackson e a sociedade provou ser tão útil quanto arriscada, para ele e para nós.

A relação torna-se útil para nós, quando podemos ver Jackson como um modelo ideal a ser seguido e uma ferramenta para o aperfeiçoamento coletivo. Michael pode beneficiar-se dessa relação simplesmente ao conquistar êxito absoluto no campo do entretenimento.

Por outro lado, a relação da sociedade com Michael Jackson torna-se desvantajosa para a primeira, quando ela começa a usar Jackson para a mera satisfação de sua fome por celebridades, que é a necessidade de tê-las numa cultura popular para que possamos engrandecê-las, aplaudi-las e, por fim, derrubá-las. Dessa maneira, Michael Jackson torna-se vítima de nossa exploração.

As alterações cosméticas de Jackson transformaram-no virtualmente de negro em branco, de masculino em feminino, ao mesmo tempo que ele mantém um carisma infantil num corpo de homem adulto. Não somente sua música é agradável, também o desenrolar de sua vida é um espetáculo para ser assistido de olhos bem abertos. Nós, sua audiência, temos visto Michael reunir uma multidão de contrastes culturais ao atuar em nossa música popular e na sociedade americana como um todo. Por conseguir unir tantas diferenças, Michael Jackson provavelmente obtém mais atenção e mídia que qualquer outra figura pública.

A característica mais singular do chamado "Rei do Pop" é a justaposição de suas imagens públicas. Jackson é representado tanto como um gentil entertainer ajudante do mundo, quanto como um excêntrico pedófilo recluso. Duas questões principais surgem a respeito dos extremos de seu retrato: Como ele se tornou tão famoso? E o que aponta para a queda potencial de sua carreira? A resposta para ambas as perguntas é a mesma. Mídia, rumores, histórias bizarras, insinuações e dinheiro são os contribuintes primários do espetáculo de Michael Jackson.

No começo, eram as pequenas excentricidades de Michael que ganhavam nossas conversas e conquistavam nossa atenção. Sua voz suave, a pele pálida e seu inusitado estilo de se vestir, eram bastante intrigantes e a sociedade queria mais de Jackson. O problema com Michael foi que ele se recusou a compartilhar as razões de suas atitudes e raramente falou com um membro individual da mídia. 

Em um artigo sobre a cultura popular, Anneke Smelik, de um grupo feminino de estudos, escreve: "O caso de Michael Jackson ilustra quão fracamente a visibilidade e a visualização do invisível criam e mantém o disfarce." Smelik esclarece que a opção de Jackson por não explicar suas ações faz com que a sociedade "visualize o invisível". Isto significa que a sociedade praticamente preenche os "elos perdidos" e aspectos questionáveis da vida de Jackson com suas próprias situações e fantasias.

A vida de Michael Jackson torna-se basicamente uma história fictícia, com a sociedade escrevendo os capítulos ao longo do tempo. Isto não significa que a sociedade está no controle total da vida e carreira de Michael Jackson. É claro que ele é dono de si e capaz de fazer suas próprias decisões, mas obviamente elas devem ser extremamente baseadas no seu papel como um objeto da cultura popular moderna.

Michael continuaria fazendo músicas controversas, alterando sua aparência e cantando canções de dor e raiva se o mundo não estivesse ouvindo cada letra e assistindo a cada movimento seu? De acordo com Roger Horrock, autor de Male Myths and Icons, e John Walker, autor de Arts in the Age of Mass Media, a resposta é "não". Em seu livro, Horrock analisa profundamente o avanço da fascinação da sociedade por Michael Jackson e, quando comenta sobre as alegações de abuso infantil contra Jackson, ele escreve: "Não está claro se sua carreira está suspensa agora, como resultado das alegações de abuso sexual feitas contra ele em 1993. Nenhuma ofensa contra Jackson foi provada, mas os tabloides e a TV têm produzido uma enorme quantidade de rumores e parecem gastar grandes somas de dinheiro tentando especular sobre ele, tentando duramente denegrir, se não matar, sua imagem. Este episódio demonstra ainda como 'ídolos' parecem sempre ser intencionalmente derrubados pelas mesmas forças que os ergueram no início." Horrock explica que nós, como sociedade, sentimos a necessidade de criar ídolos e destruí-los, isto a qualquer custo e de qualquer maneira.

Por outro lado, John Walker explica o papel equivalente de Jackson em sua postura na sociedade: "É dever do artista se comunicar e Jackson foi o perfeito comunicador. É também dever do artista expor as massas, o que também implica em auto exposição. Tantos tipos de pessoas querem tipos tão diferentes de imagens de Michael e ele fez seu melhor satisfazendo esses desejos". Claramente, Jackson e a sociedade influenciam um ao outro na cultura popular, ambos esforçando-se para realizar seus próprios anseios.

Praticamente, Michael Jackson perdeu um lugar vigente em nossa sociedade e torna-se um objeto dela. Nasceu uma complicada relação de causa e efeito entre uma celebridade suprema e uma grande audiência (virtualmente toda a sociedade), sustentada desde o dia em que Jackson entrou de Moonwalk pela primeira vez em nossas vidas.

Depois de tantos anos de rumores e histórias sobre Michael, assim como incontáveis músicas e vídeos, a sociedade permanece sem pistas sobre a verdadeira identidade de Michael Jackson. Como nós ficamos quase saturados com improváveis histórias e rumores a seu respeito, tornamo-nos menos preocupados com quem é Michael Jackson e nos perguntamos algo melhor: O que Michael Jackson representa? Centrando-se nesta questão, não somente a sociedade entenderá Jackson melhor, mas também nós, como sociedade, entenderemos melhor a nós mesmos. Entender o que o ícone pop e o que todo esse papel paradoxal representa, oferece à sociedade uma compreensão mais satisfatória do porquê de termos ícones e de sentirmos necessidade deles.

Fonte:
King of Pop Discussion /MJ Beats por Sarmoti, traduzido por Daniele Soares

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